Critica de Pedro de Biasi

Alguns dos mais memoráveis filmes de vampiro lançados nos últimos anos (Sede de Sangue, de Park Chan-wook, e Deixe Ela Entrar, de Tomas Alfredson) tiveram seu foco bastante voltado à natureza monstruosa dessas criaturas. E até mesmo nas grandes realizações que se aventuraram a humanizar os sanguessugas (de Entrevista Com o Vampiro e Drácula, de Bram Stoker a Amantes Eternos), havia sempre momentos dedicados unicamente a explorar sua brutalidade e frieza. Nessa escala, O Que Fazemos nas Sombras (What We Do in the Shadows, na versão original, disponível em DVD e pelas plataformas Google Play, Apple TV e Net NOW) é um dos extremos, sujeitando toda a sua narrativa e seu estilo às facetas mais representativas do que é ser humano.

A co-produção EUA/Nova Zelândia usa o formato de reality show para registrar o dia a dia de quatro vampiros que vivem juntos em Wellington: Viago (Taika Waititi), de 379 anos, que é um jovem mimado, viciado em limpeza e organização; Vladislav (Jemaine Clement), de 862 anos, cuja história basicamente é chupada de Vlad, o Impalador, vulgo Conde Drácula; Deacon (Jonathan Brugh), o garotão sedutor e rebelde de 183 anos; e Petyr (Ben Fransham), uma criatura com a aparência do Nosferatu, e 8 mil anos de não-vida nas costas. O “mockumentary” acompanha a rotina dos colegas, incluindo os desentendimentos domésticos, os passeios noturnos e, claro, a busca por alimentos – quentes, vivos, e de preferência virgens, porque “é cool”.

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Em meio às diversas idas e vindas, muitas das quais vale a pena não revelar, alguns pontos que movem a trama incluem uma nova adição aos colegas de casa, a paixão perdida de Viago, o antiquíssimo desafeto de Vlad (conhecido como “a Besta”) e a presença do que pode ser considerado uma gangue inimiga dos vampiros: os lobisomens. Com metragem de menos de uma hora e meia e ritmo acelerado, a comédia passa zunindo, mas entretém em cada minuto.
O filme tem duas principais qualidades, que se cruzam com grande efeito: a humanização dos personagens e o uso das regras tradicionais da ficção sobre vampiros. O impacto cômico das cenas é muito maior por essa mistura, que faz um excelente jogo de expectativas em relação às piadas: em um momento, as características vampíricas surgem quando os personagens se entregam aos aspectos mais risíveis do ser humano; depois, outra cena aborda esses conflitos comezinhos para em seguida potencializar essa condição patética com uma demonstração de poderes sobrenaturais inconcebíveis para qualquer mero mortal.

Em seus filmes de vampiro, Jordan e Coppola exploram a imortalidade como um paradoxo de prazeres e flagelos intermináveis, ao passo que Jarmusch opta por um caminho um pouco mais irreverente, opondo na vida eterna enfados e transtornos mais mundanos versus vantagens na maturidade e na vida cultural. Já os diretores-roteiristas-intérpretes Waititi e Clement encontram apenas humor ao passar essa experiência pelos filtros mais simplistas que encontram: a imaturidade, as reuniões de república, o interesse romântico, a rivalidade entre gangues e até a pura e absoluta falta de noção.

Na verdade, não só humor. Toda a ideia do filme é baseada na máxima de que, uma vez humano, sempre humano, o que acaba valendo não só para os espetáculos lamentáveis protagonizados pelas criaturas, mas também para alguns momentos surpreendentemente meigos – ainda que meigos de forma deturpada. A visão de que certos aspectos da humanidade são indissociáveis é exposta de forma um tanto sarcástica, mas não a ponto de turvar um lado afetuoso. E tampouco essa mensagem cai no romantismo barato que vez ou outra surge sem contexto algum em histórias focadas em anti-heróis ou seres-do-mal.

Ainda que nem toda piada ou elemento do roteiro se manifeste de forma orgânica, este já seria um dos mais divertidos filmes do ano só pela ideia de jogar The Office, Two and a Half Men e True Blood no liquidificador sem o menor receio de moldar a maçaroca bizarra que sairia. E não é por acaso, e sim por talento e criatividade, que o longa-metragem saiu melhor que pelo menos algumas dessas referências.

Author: Léo Francisco

Você nunca teve um amigo assim! Jornalista cultural, cinéfilo, assessor de imprensa, podcaster e fã de filmes da Disney e desenhos animados. Escrevo sobre cinema e Disney há mais de 18 anos e comecei a trabalhar com assessoria de imprensa em 2010. Além de fundador do Cadê o Léo?!, lançado em 13 de julho de 2002, também tenho um podcast chamado Papo Animado e um canal no YouTube.